Artigos publicados no Jornal O Globo online, na editoras Opinião.
[violência]
Eloá e Desdêmona
Em todas as épocas da tragédia, o ciúme sempre foi um item indispensável. O inglês William Shakespeare notabilizou este movimento da natureza humana em sua mais enfurecida sanha no período moderno em clássicos como "Otelo". Iago, um dos personagens da história, apaixonado por Desdêmona, envenena o coração do marido da jovem com o ciúme, insinuando que ela tem um caso com Cássio. Isto fez Otelo ensandecer, desesperar-se, matar sua amada e ao descobrir toda verdade, suicidar-se.
Com a mesma fúria o ciúme tomou posse de Lindemberg, o jovem metalúrgico que cruzou o limiar da criminalidade ao fazer refém sua ex-namorada e amigos. O Brasil assistiu ao seqüestro das jovens torcendo por um final tranqüilo, o que não aconteceu.
A ilha de Chipre em "Otelo" foi o palco da história de final sangrento; em Santo André foi um apartamento de um conjunto habitacional. Nele, durante mais de 100 horas a jovem Eloá permaneceu sob a mira de um revólver.
Algumas mídias insistiram em apresentar Lindemberg como um criminoso incomum, um tanto quanto inofensivo, pois não exigia moeda de troca em seu crime passional. Isso causava a sensação que terminaria tudo bem. Teria sido esse pueril raciocínio que fundamentou a atitude da polícia em liberar a jovem Nayara a voltar ao cárcere, coisa, aliás, proibida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente? Seria ainda por essa inconsistente lógica que os policiais invadiram o apartamento sem artilharia letal, apenas com munição de borracha?
Se a mídia, a polícia e a população nutriam grande certeza que Lindemberg não fosse capaz de causar um desfecho trágico ao seqüestro, o mesmo jovem tinha a convicção que o apartamento seria invadido pela polícia, por isso, mesmo após cinco dias sob tensão, o seqüestrador ainda resistiu à prisão, lutando contra os policiais.
Ao final dessa história real, Eloá, como a Desdêmona da história fictícia, é vítima da ação ignominiosa de um homem que troca o agir segundo a razão pela atitude segundo o instinto, comportando-se como um ser de alta periculosidade, diferente do Linderberg conhecido pela família e apresentado na cobertura do seqüestro.
[Infância]
Uma bandeira de esperança por nossas crianças
Mês de outubro é período excelente para comemorar e, também, refletir sobre as crianças. Um olhar sobre a História nos desvela que em algumas civilizações primitivas eram realizados sacrifícios de crianças aos deuses. No mundo grego, na cidade de Esparta, era costume separar as crianças de seus pais para se dedicarem ao exército, idéia apoiada por Platão em sua obra sobre o Estado ideal, "A República". Já entre os judeus, crianças não eram sequer contadas como pessoas, e perdurou por muito tempo em diversas sociedades o conceito de criança como um pequeno adulto. O tempo passou, o homem socializou-se, evoluiu em vários aspectos, contudo, percebe-se, em pleno século XXI, hábitos e atitudes animalescas de alguns no trato para com as crianças.
Onde estaria a raiz de tanta violência que vemos aterrorizar nossos pequeninos? Por que vemos nesses últimos anos uma sucessão de barbáries contra essa faixa etária? Que ameaça traz um infante? Para todas essas perguntas não se encontram respostas objetivas, desenrolam-se especulações e teorias, restando apenas o factível: nossas crianças estão em risco. Logo, o futuro e presente da humanidade estão ameaçados.
Em 2007, o mundo inteiro acompanhou o episódio do desaparecimento da pequena Madeline McCann. No Brasil, um caso chocou a opinião pública, o assassinato de Isabela Nardoni, tendo por principais acusados o pai e a madrasta. Ambos os casos ainda não tiveram o desfecho final.
Uma infinidade de casos envolvendo violência contra crianças é estampada nos noticiários constantemente, como a compra e venda de bebês. Em Recife, um representante comercial foi detido em março de 2007. Ele pagou despesas hospitalares com o parto, exigência da mãe, que ainda pediu em escambo pelo filho um advogado para soltar o irmão dela que se encontrava preso. Ao dar à luz, Juliana, a mãe, que admitiu a esdrúxula negociata, arrependeu-se e denunciou o caso à polícia. No Chile, uma mãe com o esposo pôs anúncio na internet: "vendo bebê recém-nascido, entrar em contato com Carolina e Juan". A insólita venda foi desbaratada graças a um canal de televisão, que simulou interesse em adquirir o bebê, flagrando o comércio intolerável. Um casal de Taubaté, SP, comprou criança com menos de um mês de vida de mulher em Minas Gerais. A mãe afirmou que recebeu cesta básica e em breve ganharia mais benefícios em dinheiro por meio de uma advogada que estava intermediando a venda do bebê.
Além da inaceitável compra e venda de bebês, existe o aluguel de crianças. Rachel de Queiroz, no "O Quinze", já denunciava as mães que emprestavam a outras seus embrulhos viventes - crianças subnutridas devido à seca - a fim de que recebessem esmolas mais generosas. Esta prática atravessou décadas e, em Fortaleza, ainda acontece, sobretudo nas ruas do Centro da capital, o que é um verdadeiro absurdo: mulheres que alugam crianças de mães para pedir esmolas.
Ainda poderíamos citar os fetos e recém-nascidos jogados pelas mães em latas de lixos, rios e sanitários; e também o trabalho escravo espalhado em todo país de meninos e meninas que se vêem privados de serem o que são: crianças.
A última ocorrência bárbara aconteceu em São Paulo. Os irmãos João Vitor dos Santos Rodrigues, 13, e Igor Giovani dos Santos Rodrigues, 12, foram mortos, queimados e esquartejados pelo pai e pela madrasta, um ato ignominioso.
A peste do abuso e exploração sexual, sobretudo no ambiente doméstico, retira das faces inocentes a ternura e o brilho dos olhos, substituindo-os por medo, amargura e revolta. As conseqüências, nesses casos, geralmente são desastrosas.
Essa onda de violência é sintomática e revela o quanto o homem está curvado sobre si mesmo e insensível àquele que é fraco e carece de proteção. Quando esse se afasta da verdade e do absoluto, entrega-se irremediavelmente à ditadura do relativismo, animal feroz que cerceia princípios e valores fundamentais tendo-os como bases já superadas e não mais necessárias.
Nesse cenário negrume, a sociedade é convocada a levantar uma bandeira de esperança. Empunhá-la significa zelar, defender e proteger nossas crianças tão expostas aos contra valores que corroem princípios basilares. Na Holanda, por exemplo, um partido constituído por três pedófilos quer reduzir para 12 anos a idade limite para que a relação sexual, neste caso, não constitua o crime de pedofilia. Isso é um verdadeiro absurdo!
É dever nosso cuidar de nossos meninos e meninas, embora isso exija de nós têmpera, determinação e não coadunar com o mal, jamais.
[Ano novo]
As superstições e a cultura do Ano Novo
A cada início de ano é comum multiplicarem-se as simpatias e agouros que prometem um ano bom à base da magia e da superstição. O homem considerado pós-moderno retorna ao tempo das crendices, fase julgada superada por tantos sociólogos.
Um futuro melhor se constrói com força de trabalho, iniciativa, planejamento e uma fé madura e consciente
Cartomantes, mães de santos, quiromantes, numerólogos e demais esotéricos são figuras fáceis na cobertura de virada e começo de ano. Existe um sortilégio para tudo, para se dar bem no amor ou profissionalmente. Cores, números e entes intangíveis também não faltam nas diretivas dos magos modernos.
As crenças nas profecias ocultistas extrapolam o senso comum e chegam à esfera pública. No Rio de Janeiro, por exemplo, a prefeitura do Rio mantinha um convênio com a Fundação Cobra Coral , uma organização que prevê as condições climáticas, a partir das orientações de um espírito, o cacique Cobra Coral.
Mas será mesmo que lentilhas e pulinhos garantem uma boa sorte? Tal subterfúgio apenas não revela uma oposição ao pensamento racional e à fé tradicional? Fitas, roupas e outras simpatias ofuscam o lugar que se deveria dar aos incentivos e planejamentos concretos.
A cultura supersticiosa faz o homem abrir mão da responsabilidade que lhe é própria. Deixa de ser o regente da própria existência como se quem o conduzisse fosse algum astro ou energia universal.
[Corrupção]
A bondade e a maldade: um duelo na tragédia
Por culpa do poder público ou por força incontrolável da natureza as tragédias sempre estiveram presentes na história humana. E, como vemos, é bem provável que elas permaneçam, sobretudo, pela ineficiência de quem é chamado a resguardar o equilíbrio entre o progresso e a natureza.
Pior do que a tragédia natural, é a tragédia moral. As trombas d'água no Rio de Janeiro trouxeram lama às casas e revelaram a podridão de muitos comerciantes locais. É hedionda a prática de alguns vendedores da Região Serrana do estado de elevar o preço de produtos básicos para aqueles que sobreviveram.
Outras notícias dão conta do desvio de alimentos e recursos destinados a amenizar o sofrimento dos desabrigados na tragédia. Mais uma vez, a pecha odiosa da corrupção torna-se sinônimo do comportamento do brasileiro.
Enquanto algumas pessoas perderam seus bens materiais e entes queridos, outras deixaram ir com as águas a vergonha e a bondade. A limpidez da solidariedade, contudo, emerge na lama moral dos virulentos que se aproveitam de uma situação deplorável, como a ocorrida no estado do Rio.
Ver o testemunho de milhares de voluntários, que pagam os impostos mais altos do mundo para serem servidos e mesmos assim cumprirem uma árdua jornada de trabalho, é um estímulo e ao mesmo tempo um consolo. Como na escuridão das casas de Petrópolis e Nova Friburgo, acendem uma pequena chama, qual da vela, ensinando para esta geração que o 'ser' é preeminente ao 'ter'.
Que a lembrança dos jovens salvando a senhora com uma corda das ruínas de sua antiga casa ou da mãe machucada ao salvar as filhas permaneçam em nossa lembrança, sobrepondo-se ao escândalo de homens embargados pela lei por surrupiarem ajuda humanitária.
Que as águas do Rio de Janeiro levem consigo a maldade que impede o homem de fazer o bem e levante como uma torre de esperança, a solidariedade.
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