Espiritualidade

Artigos publicados no Jornal O Povo, nas editorias Opinião e Espiritualidade.


A construção do reino do amor


[espiritualidade] 11.04.2008       


O papa Bento XVI em seu livro Jesus de Nazaré retoma a concepção de Orígenes e identifica o reino de Deus com o próprio Jesus. Ele é o reino de Deus no meio de nós. Justiça, paz, concórdia e tantas outras virtudes emanam de sua presença viva e atuante no nosso meio. A Igreja recebeu a excelente missão de proclamar a Boa Nova a todo homem e ao homem total. Nesta mensagem encontramos não uma ideologia, energia ou mera força transcendental, mas nos deparamos com uma pessoa viva, ressuscitada, Cristo, o Ressuscitado que passou pela cruz e que, por isso, traz suas marcas gloriosas. 

É verdade que muitas questões acerca do anúncio do Evangelho levantam-se nos tempos atuais. Como levar a boa notícia salvífica de Nosso Senhor a cada homem? Como testemunhar a esperança em tempos tão sofridos e marcados pela dor e pela desesperança? Quem se manterá fiel a este anúncio que exige um comprometimento total de vida? Ora, a palavra de Cristo, assim como Ele, é fascinante e só ela consegue dar uma resposta satisfatória ao coração inquieto do homem que busca preencher o vazio que constata ser de um tamanho infinito. Essa palavra é atual e de uma força criadora porque é palavra de Deus. 

Considerando a premissa fundamental que o homem é a via de Deus, logo este é também a via da Igreja, Por isso, a Igreja não se furta à sua árdua missão de anunciar a verdade, mesmo em tempos em que se diz não existir uma verdade, que tudo é relativo e que o homem é a medida de todas as coisas. Testemunhamos uma cultura de morte que chama de valor o que não é, gerando uma grande confusão, inclusive nas mentes mais dedicadas e empenhadas na busca da verdade. 

Constatamos que na ourivesaria da vaidade, tudo custa nada e o nada custa muito caro. Trata-se de uma inversão de valores. A esta cultura de morte o cristão é chamado a implantar com sua vida e regar com seu suor, e se preciso com seu sangue, a civilização do amor, como denominava o papa João Paulo II, que não é outra coisa senão o reino de Deus, que já pode e deve começar no meio de nós. Não se trata de algo utópico ou impossível de ser atingido ou apenas uma recompensa para os bons.

 O Reino de Deus é uma realidade e não uma fantasia. Ele está firmado na mensagem nova ensinada e vivenciada por Cristo, a caridade. Nada pode resistir à força do Amor. Já ensinava o místico são João da Cruz ("Plante amor onde não há amor e colherás amor"), um ensinamento riquíssimo e aplicável às mais variadas dimensões da vida humana e de seus relacionamentos. Evangelizaremos esta cultura marcada pela morte não travando um embate direto com o mal, mas vivendo o amor em atos, dando provas de amor uns aos outros, fazendo nascer um novo sistema cujo sujeito protagonista é o homem revestido da graça de Deus. O Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo precisa perpassar todos os setores e segmentos da sociedade, política, opinião pública, economia, intelectuais, patronato, funcionalismo, autônomos, enfim, todos devem ser atingidos com os raios fúlgidos do amor.

 Só ele é capaz de dissipar as trevas do egoísmo e do individualismo vigente. É fundamental a atuação dos leigos, batizados e comprometidos com o Evangelho na transformação social de nosso mundo. Como sal da terra e luz do mundo precisamos ir sem medo e nos infiltrar, fazer levedar a massa com o fermento da caridade. A construção do reino de Amor se dá com cada sim, com cada gesto e atitude de fidelidade, de amor ao próximo. Este Reino se constrói à medida que amamos e estagna à medida em que nos deixamos levar pelo pecado e pela dureza de nosso coração. 

Aquele que constrói este Reino de amor encontrou a melhor parte, é um bem aventurado e isto não implica dizer ausência de sofrimento na vida deste, mas significa afirmar que quem constrói este Reino vive a vida de Cristo, portanto experimenta a Cruz, mas atenção, nela não pára, Ressuscita, pois a morte não é a última palavra, é uma meio necessário para a beatitude sem fim. 

Dia após dia vivendo o mistério pascal de Cristo de morte e ressurreição estaremos construindo o Reino de Amor que acolhe a todos, que ensina que existe uma verdade, que Deus é absoluto, que somos fracos e dependentes de Deus e que encontramos plenitude de felicidade quando nos esquecemos de nós mesmos e nos dedicamos ao outro vendo nele a face fascinante de Nosso Senhor Jesus Cristo, o Reino de Deus presente no meio de nós.


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Cardeal Aloísio, um dom

29.12.2007

Apesar de ter nascido durante o arcebispado de Dom Aloísio Lorscheider só fui conhecer este grande homem e admirar sua santidade quando comecei a participar da Comunidade Católica Shalom. Quando descobria as origens desta Comunidade enchi-me de alegria quando Moysés Azevedo, Fundador da Comunidade descrevia a inauguração da lanchonete do Senhor, "1982,9 de julho. A casa está cheia. O som de músicas de louvor toma conta do ambiente. Faz-se silêncio e todos recebem, atentos, a bênção solene de D. Aloísio Lorscheider, Cardeal Arcebispo de Fortaleza." Deu sua bênção e palavras de encorajamento à evangelização dos jovens. 

Sucedendo Dom José de Medeiros Delgado Dom Aloísio deu continuidade às obras de construção e término da catedral metropolitana de Fortaleza. Ao assumir a Cátedra Fortalezense, conclamou todos os fiéis a empenharem-se na obra "Mais algum tempo, e esta Igreja Catedral estará terminada. Faremos a grande festa de sua consagração, de sua dedicação. Será a maior festa de Fortaleza".

 Foi ele quem sugeriu fazer uma ligação subterrânea que unisse a cripta até o porão existente no final da escadaria da porta frontal, por onde se sobe até os sinos. Esta passagem permitiria aos padres, durante as celebrações festivas não passar por dentro da catedral. 

O premiado jornalista do O POVO, Francisco Lima, na década de setenta, registra em seu opúsculo sobre a história da Catedral fato que ressalta o bom humor de dom Aloísio, conta o repórter que em 1976 Dom Aloísio foi feito cardeal pelo papa Paulo VI, encontrava-se em Roma. Ao chegar a Fortaleza foi grande a festa oferecida ao novo cardeal contando com "inclusive um contingente militar perfilado em sua honra". 

Com a Palavra, cardeal Lorscheider incentivou todos a continuar ajudando para que se concluísse o quanto antes a Igreja, pois como disse "vocês têm um cardeal, mas não têm uma catedral.' Passados cinco anos o Gaúcho Aloísio Leo Arlindo Lorscheider, o frade franciscano e cardeal, dedicou a Catedral metropolitana de Fortaleza numa grande celebração de fé.

 Por ocasião da visita de João Paulo II a Fortaleza em 1980 o Cardeal esteve responsável pelos preparativos do Congresso eucarístico, evento que marcou os Cearenses. Ainda nesta semana conversava com um amigo sobre as lembranças que tinha deste congresso que parou Fortaleza. Marcou a vida de Aloísio a coerência evangélica entre pregação e vivência de sua fé.

 Em 1994 ao visitar um presídio em Fortaleza foi feito refém. Quinze dias retorna ao local e preside celebração na qual lava os pés de detentos, um gesto eloqüente e profundamente cristocêntrico que faz deste discípulo de Jesus Cristo um autêntico Missionário da reconciliação e da paz. Dom Aloísio partiu para a casa do pai, colheu deste modo o fruto excelente da árvore da cruz, a ressurreição.

 Toda a sua vida, autêntico seguimento da vida de Cristo, seu mestre, torna-se uma passagem para a beatitude eterna, assim como a cruz foi a passagem para a ressurreição. Todas as suas dores, sofrimentos, desafios e possíveis perseguições, em nada se comparam à glória que agora goza eternamente. 

A lembrança de sua vida doada deve nos encher de esperança, em 2008 completaria 68 anos de sacerdócio, um sinal para todos que é possível viver neste mundo, fazer diferença e deixar um legado que permanece para sempre, pois quem está unido ao Cristo a videira verdadeira, não perece, mas vive para sempre.

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Esperança

01.11.2007

A cena parece repetir-se, cemitérios lotados, familiares que se reencontram, lápides renovadas, delicadezas materializadas em flores, rosas e arranjos. No entanto, os sentimentos não são reprises, são revividos, renovados, amadurecidos. 

A saudade permeia o coração que novamente enluta-se, chora, silencia. A lembrança dos entes queridos, que já não se encontram mais no convívio multiplica-se, estas fazem brotar dos olhos marejados, lágrimas esvaídas e perdidas na face como as mesmas lembranças que se alternam esmaecendo uma sobre as outras.

 O dia de finados para muitos parece tocar novamente uma ferida ainda não cicatrizada. Há os que sofrem por não terem tido, sequer, a oportunidade de terem dado o último adeus; alguns se perdem na angústia e num silêncio sepulcral no qual segredam de si para si que poderiam ter amado mais os que partiram, por conta destes sentimentos de culpa atam pesados fardos a suas consciências.

 Outros se lembram do longo período de sofrimento, enfermidade e agonia precedentes à páscoa (passagem) de seu parente, amigo ou colega estimado; existe também as pessoas que se entrelaçam em interrogações, questionando o porquê da partida súbita ou prematura de seus queridos.

 Lembrar e rezar por nossos mortos ainda nos recorda do dia, não conhecido por nós, em que faremos também esta necessária e definitiva páscoa. Isto nos interpela sobre como temos vivido e amado concretamente o nosso próximo, em que ou em quem depositamos nossa confiança e esperança. 

A própria vida ensina-nos que o poder, o possuir e o prazer, por eles mesmos, não conseguem preencher o vazio que constatamos existir em nosso interior, este reclama uma realidade maior para preenchê-lo e aspira coisas eternas, que não passam.

 Diante do cenário de saudade, dor, tristeza e quem sabe desolação possa resplandecer os raios claríssimos da esperança que aponta para uma realidade que vai além da morte. Ascende esplendorosa uma palavra mais forte do que a morte: Ressurreição, que altaneira indaga 'Morte, onde está a tua vitória?'. Acreditemos que a morte, não é o fim, mas meio de nossa necessária e definitiva páscoa.

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As cartas de Madre Teresa

[opinião]









04.09.2007










Hoje, 5 de setembro, quando se completam 10 anos da morte de Madre Teresa será publicado um livro reunindo mais de 40 cartas missivas em cujo conteúdo se pode verificar questionamentos que assolaram a vida da missionária nascida em terras Albanesas. Muitos são os que analisam estes questionamentos contrapondo-os à vida da religiosa como se fossem realidades opositoras e dialéticas. 
Ora, sempre fez parte da vida dos santos a luta espiritual entre o homem velho e o homem novo, para utilizar termos paulinos. A santidade não é um estágio ou um efeito mágico que permeia o fiel das realidades exteriores e das crises interiores. Ela é forjada justamente neste campo de batalha, no qual a pessoa faz a necessária passagem do egoísmo para a caridade, da cruz para a ressurreição.
 Não sentir Deus, aridez espiritual, sentir a ausência da presença de Deus são algumas das características daquele que trilha um caminho rumo à santidade, ou seja em direção à santa e soberana vontade de Deus, garantia única de felicidade plena. São João da Cruz, místico da Igreja, denomina esta realidade de "noite escura da alma", que pode durar tempo indeterminado, Santa Teresa de Ávila a viveu por mais de 20 anos. Santa Teresinha do Menino Jesus também passou por etapa espiritual, sustentou-a a certeza que o seu Sol (Cristo), por entre as nuvens, estava a brilhar.
 A noite escura enfrentada longamente por Madre Teresa não desmerece em nada sua vida de santidade. Usando o famoso critério de discernimento de Jesus que "pela árvore se conhece os frutos", pode-se asseverar que esta crise autentica ainda mais sua relação de intimidade com Deus. A vida de madre Teresa pode ser comparada a uma árvore que teve seus galhos secos e os aparentemente verdes, que não produzem vida, podados, o que lhe possibilitou dar abundantes frutos para a Igreja e para a humanidade. As crises são inerentes à condição humana, superá-las também.
 A beata Madre não se deixou paralisar em seus questionamentos, os utilizou como trampolim para chegar ao que Deus tinha planejado a seu respeito. A missionária envelhecida nas terras indianas não serviu a Deus impelida por meros sentimentalismo,voluntarismo ou fina capa de boa vontade. Sua experiência de Deus foi real e provada como o ouro que teve que passar pelo crisol, para que deste modo resplandecesse seu brilho e valor intangível. Suas dores de morte transformaram-se em Vida para milhares de pobres e indigentes que foram socorridos por sua caridade.
 Quando a Madre ensinava que se precisava amar, amar, amar até doer (se o amor não doar-se até doer, não é amor) expressava algo que não estava fora de si, mas tratava-se de um transbordamento de sua experiência real que passava pelo seu amor a Deus e à humanidade , na figura dos pobres de Calcutá. Nesta perspectiva, seguiu fielmente seu mestre, Cristo, o Ressuscitado, que passou pela cruz.

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No caos surgem nichos de esperança

[opinião]
27.07.2007
Relatos como estes e a lembrança de bons momentos e das virtudes dos entes queridos vão amenizando a dor daqueles que sofrem mais de perto pela inestimável perda dos seus.
Encaminhada para o NTSB (National Transportation Safety Board,) a caixa-preta mostrará quais foram as conversas e transmissão de dados nos últimos trinta minutos realizadas pelos pilotos do Airbus A320. Feita de aço inoxidável e titânio o aparelho que, na verdade, não é mais preto e sim alaranjado, do tamanho de uma caixa de sapatos irá desvendar o que aconteceu no trágico vôo JJ 3054 na noite do derradeiro 17 de julho. 
Dentro de nós ficou gravado para sempre a lembrança de rostos perplexos e aterrorizados dos parentes e amigos das vítimas. Os nossos pensamentos e sentimentos, como o Airbus, não conseguem frenar na pista da certeza que se encontra ainda molhada, banhada pelas lágrimas de pais, mães, esposos, filhos e milhares de pessoas. Estas vidas ceifadas inesperadamente acionam, mais uma vez, o alarme da crise aérea no país.
 Uma resposta eficaz precisa ser dada para que o pior não volte a estampar tristes manchetes em nossas mídias. Medidas a curto e longo prazo devem implementar um projeto sério e competente que seja capaz de contornar a crise que presenciamos no setor aéreo. Em meio a todo esse caos surgem nichos de esperança e como feixes de luz espalham-se. São as lembranças de histórias como a do gerente - geral de cargas da TAM Express, José Antonio Rodrigues que arriscou a própria vida até o último minuto do incêndio, para tentar salvar os colegas que trabalhavam no prédio da empresa. Veio a óbito por intoxicação da fumaça horas depois de ser internado na UTI.
 Para a família do cristão Luiz Antonio o consolo veio ao lembrarem de uma conferência ministrada pelo missionário na qual falara de um sonho onde via "dezenas, centenas de pessoas mortas, enroladas em alguma coisa que não consegui discernir, sendo levadas para um lugar estranho e escuro". Na ocasião Deus lhe pedira mais oração, jejum e quebrantamento de coração. Élcio acompanhava o desastre pela Tv e nem se deu conta que sua filha era funcionária e trabalhava no Hangar na hora do acidente.
 A jovem Lílian Blasquez, 23, foi carregada nos braços pelo colega Eduardo Teixeira, cognominado mais tarde pelo pai dela de 'o anjo'. Somente quando recebeu a ligação do hospital Alvorada, em Moema, foi que caiu a ficha do pai acerca da situação da filha. O hospital comunicou que Lílian sofrera lesões na cabeça.
 Aos poucos relatos como estes e a lembrança de bons momentos e das virtudes dos entes queridos vão amenizando a dor daqueles que sofrem mais de perto pela inestimável perda dos seus. A morte não é a última palavra, existe uma mais forte: a Ressurreição. Esta é capaz de devolver a esperança a qualquer um, seja qual for o acontecimento, pois mesmo no caos surgem nichos de esperança carregados da vida de cristo que nos garante a nossa, eternamente.

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